Longe de mim estragar qualquer clima romântico nesta época do ano, mas acredito que sempre é tempo de avaliar as nossas relações, especialmente aquela que por anos cultivamos com nosso parceiro ou parceira. Principalmente quando a vida vai trazendo alguns sinais, claros ou não, de que algo saiu de sintonia.
Principalmente quando a vida vai trazendo alguns sinais, claros ou não, de que algo saiu de sintonia. Acostumada a ver filmes em que o príncipe resgata a mocinha com um beijo e a leva em um cavalo branco, aquela guria já não sabe mais se continua o namoro com o cara que trocou o toque entre lábios apaixonados por aquelas palavras que doem mais que o coice do equino. E muito menos tem ideia se ainda dá tempo de reescrever essa história. Nem como.
A linha do tempo do relacionamento a dois – que boa parte das pessoas cita como sendo o tal caminho da felicidade – deveria ser conhecer alguém interessante e se apaixonar – namorar – noivar – casar – e viverem felizes para sempre, certo? “É assim que terminam muitas das histórias que nos são contadas. Representam o norte sonhado por todo casal que se presenteia com o ‘sim’. Mas como saber que essa viagem foi abreviada pelo ‘paramos por aqui porque o ‘felizes’ não mais nos acompanha’? Como saber quando o amor morreu? Quando a relação chegou a um ponto final? Será que ainda vale a pena tentar? Essas perguntas angustiam muitos de nós e a falta de respostas podem ser mantenedoras de casamentos infelizes.
Na maior parte dos casos a decisão de lutar pelo casamento ou partir não é clara”, destaca a psicóloga, escritora e professora Ana Letícia Castellan Rizzon, de Novo Hamburgo. Conforme a especialista, a ciência tem resposta para esse drama que acomete tantos lares. “O premiado psicólogo John Gottman é diretor do Relationship Institute, onde conduz com sua esposa Julie e outros estudiosos, muitas pesquisas acerca da conjugalidade.
Gottman apresenta uma metodologia para detectar, através do tipo de discurso do casal, se aquela relação é recuperável ou não. Ele batizou o resultado dessa pesquisa de ‘Interruptor da nossa história’”.
Assim, se você está em dúvida quanto a continuar o relacionamento, Ana Rizzon propõe um exercício. “Nas pesquisas, Gottman e colaboradores entrevistam os cônjuges. Você pode gravar as suas respostas às questões abaixo para depois submetê-las à análise de discurso que eles propõem. Sugiro que você faça isso antes de dar continuidade à leitura do texto."
As questões abaixo são uma oportunidade para você repassar sua história. Vamos lá:
1. Como vocês se conheceram?
2. Quais foram suas primeiras impressões do seu (a) parceiro (a)?
3. Conte questões que você considera relevante sobre o namoro de vocês?
4. Fale sobre o quanto o seu relacionamento mudou com o tempo?
5. Quais as suas filosofias sobre relacionamentos?
6. Quais suas opiniões sobre os relacionamentos dos outros?
Ela destaca que essa lógica se baseia em pesquisas acerca dos processos cerebrais que mostram que nós reescrevemos e reorganizamos as nossas memórias com base no que elas significam para nós hoje. “Isso se relaciona com o aspecto reconstrutivo da memória, ou seja, nossas experiências recentes influenciam e até alteram a forma o que nós recordamos”, diz.
Baseado nessa metodologia, acrescenta Ana, se um relacionamento chegou ao fim, ou se ele está apenas frágil isso pode ser detectado através do quão negativa é a narrativa dos cônjuges acerca de sua vivência conjugal. A psicóloga de Novo Hamburgo nos ensina que existem 5 dimensões a serem observadas, são elas:
1. O sistema de ternura e admiração: “quando o interruptor está no positivo, o casal conta sua história com calor, afeição, respeito pelo outro e elogios espontâneos”, explica.
+ “Ele me olhava atento enquanto conversávamos. Naquele momento eu pensei: além de atraente ele sabe ser amigo.”
- “Quando a gente se conheceu eu achei ela bem arrogante!”
2. A noção de eu versus a noção de nós: “casais felizes geralmente relatam histórias que funcionam como uma unidade, como se estivessem ‘no mesmo barco’. A narrativa demonstra crenças, valores e objetivos similares”, diz Ana.
+ “Nós pensamos o que cada um desejava, mas decidimos o que era melhor para nós!”
- “Eu ganhei o dinheiro, eu guardei, então eu posso gastar como eu quiser!”
3. Há um “mapa do amor” do mundo interno do cônjuge: “costumam ter memórias vívidas e distintas um do outro. Isso é observável através de descrições detalhadas que demonstram que continuam a entender e respeitar o que é importante para o parceiro (a). Eles sabem o que deixa o outro feliz ou triste”, reforça.
+ “Ele gosta de comida apimentada. Mas não é só ardida, é muita pimenta. Ele aprendeu com a avó dele a comer comida assim!”
- “A comida dele, ele tempera como ele quer, cada um faz do seu jeito.”
4. Glorificar suas lutas versus cair no caos: “casais infelizes no presente geralmente descrevem a história do relacionamento como sendo caótica. Não relatam que unidos aprenderam com as experiências negativas ou que os conflitos passados fortaleceram a confiança mútua”, detalha Ana Rizzon.
+ “Ele foi trabalhar em outro estado e a gente teve que aprender um jeito de ficarmos juntos ainda assim. Por isso, hoje a gente valoriza tanto poder estar perto.”
- “Ele foi trabalhar em outro estado e a gente simplesmente se distanciou.”
5. Decepção versus satisfação: “quando a relação chega ao fim, pelo menos um deles expressa decepção, dizendo que o relacionamento não foi o que prometido”
+ “Casamento tem seus momentos desafiadores, mas vale a pena. A gente cresce juntos, enfrenta as coisas juntos, somos parceiros.”
- “Se eu pudesse voltar no tempo eu diria: não case, não vale a pena!”
Resultado: “Em suas pesquisas, Gottman sugere que um relacionamento é resgatável se nem todas as 5 dimensões são negativas. Ele também ressalta que a perda completa de uma narrativa positiva acontece através de um processo lento. No livro da editora Fontanar chamado O que faz o amor durar?, escrito por John Gottman e Nan Silver, eles apresentam um autoteste para medir as dimensões explicadas no texto. Ressalto que diante de uma crise conjugal, a psicoterapia de casal é sempre uma alternativa ótima. Todo casal, por mais saudável e satisfeito que seja com a sua relação, possui um ciclo negativo. Uma dança que impede a conexão. Só que, quando isso acontece de forma esporádica e o casal tem recursos para resgatar a relação, eles saem ainda mais fortes. Já casais em crise estão inundados no ciclo negativo e isso constitui-se uma barreira para que consigam restabelecer a conexão. A repetição dessa dança os afasta e vai tingindo o presente e também as memórias passadas com emoções difíceis como mágoas, desesperança, raiva ou tristeza”, esclarece a especialista.
Antes da decisão de literalmente investir em seu relacionamento ou mesmo desfazê-lo em prol do bem-estar de ambos, é preciso lembrar que o conto de fadas, quando tem vez na vida real, não chega com o trecho do “para sempre” – sejam os momentos felizes ou mesmo os trechos macabros da história. “A relação dois é uma das searas mais desafiadoras que vivemos. Ela desnuda nossas fragilidades, revela nossas irracionalidades e promove o outro a um lugar muito importante na nossa vida. ‘Felizes para sempre’ é utopia. Como já bem disse o filosofo Pondé, ‘o erro da utopia é eliminar contradições’. Até bons casamentos têm seus momentos difíceis. Até maus casamentos podem se tornar bons quando ambos escolhem investir para isso”, reforça Ana.
“Nem sempre o divórcio é uma má decisão. Temos a carência de um conceito de casamento terminado que não demonize o passado e que ajude a criar uma continuidade narrativa para a história que foi importante não só para o casal, mas também para a família estendida. O sucesso na saída da repetição desgastante de ciclos doentes não é necessariamente a permanência no vínculo, mas a qualidade do manejo que o casal constrói a partir da compreensão do que estão vivendo e das opções para seguir em frente”, finaliza a especialista.